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A Biblioteca Escolar e a Problemática do Silêncio

  • Foto do escritor: Paula Coelho Pais
    Paula Coelho Pais
  • 2 de fev. de 2020
  • 5 min de leitura

Esta é uma matéria sensível. Corremos o risco de estarmos a saltar ao eixo por cima da questão central – a leitura – com a avidez de sermos inovadores. Por outro lado, falar de silêncio e da sua desejabilidade, nem sempre se torna popular. Sobretudo quando o tema se destina aos mais novos. De facto, o silêncio é muitas vezes conotado com falta de liberdade, com tristeza e cerceamento da expressão de cada um. Nada, a meu ver, de mais errado, se for entendido como deve ser. Como um elemento facilitador da concentração e da consecução da leitura e da aprendizagem. E, por isso mesmo, um fator libertador e desejável no âmbito educativo, naturalmente se tido na devida conta e medida.

Mas talvez devido a essa questão, algo melindrosa, se assista nos últimos tempos a uma nova (?) confusão em torno dos desejáveis objetivos e da verdadeira natureza da Biblioteca (Escolar), fundindo o que seria um Centro de Recursos (multimédia ou não) com as necessidades elementares de uma Sala de Leitura que deve, ela também e antes de tudo, a meu ver, ser salvaguardada.

Estudei durante anos as problemáticas dos espaços formais e informais de leitura em contexto escolar e penso saber um pouco do que estou a falar. Assistimos actualmente à concep

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ção de espaços destinados à leitura – refiro-me aqui sobretudo às escolas, universo que conheço melhor - que primam por uma qualidade estética aliada à vertente pedagógica absolutamente surpreendentes. Novos, vibrantes, convidativos, acolhedores. Mágicos, até. Mas que dizer da sua função? Das suas funções? estarão elas todas salvaguardadas? E se o novo espaço bibliotecário se abre - e bem - à dinâmica do conto e à interacção com o digital, estarão as novas bibliotecas escolares a salvaguardar devidamente o silêncio necessário à leitura dita “tradicional”? Ou terá esta novos contornos que ainda não estão bem definidos nas nossas formas de ver e nas nossas reflexões? São questões que deixo ao eventual leitor deste meu breve texto.

Que não haja dúvidas. Também eu admiro este novo mundo que se abre aos nossos leitores mais jovens. Fiz igualmente um pouco parte da sua defesa, até em termos académicos, já que foi em muitos casos objecto do meu estudo e análise. Eles permitem novas abordagens ao processo de ensino-aprendizagem colocando os alunos no centro deste caminho e permitindo uma descoberta diária mais personalizada. E tal é de louvar. Sem dúvida que sim. Mas temos de parar para pensar um pouco. Se os novos espaços escolares de leitura abraçam uma dimensão de dinamismo que é de valorizar e promover, eles devem igualmente manter e guardar zonas absolutamente silenciosas para que esta possa ocorrer de modo imperturbável, pelo menos para determinados tipos de leitor. Sim, porque existem diferentes formas de ler que também elas deverão ser tidas em linha de conta. Direi mesmo mais. Elas devem ser diversificadas, personalizadas e dentro do possível, capazes de acolher e resguardar quem procura um espaço mais calmo e tranquilo. Tão necessários se tornam estes aos mais jovens – mesmo que disso não se apercebam - ademais no universo globalmente tão ruidoso que é uma escola.

Vivemos num mundo de ruído. Os espectáculos para crianças e jovens iniciam-se com gritos, mais ou menos espontâneos, em que o artista procura a adesão do público através do incitamento aos mesmos. Escutamos amiúde um “Então como é que é? Tudo bem?”. E os miúdos gritam, como se não houvesse amanhã. E depois, como ainda não é suficiente, os artistas voltam a afirmar “Tão fraquinho! Não ouço nada!”. É então o delírio com a malta nova aos berros até à (im)possibilidade das suas cordas vocais. E depois é, muitas vezes, este o modelo que fica de dinamismo e alegria.

E não, não me esqueci do que é ser nova. Lembro-me bem e com significativa frequência. Todavia, peço desculpa, isto não é nada. Tudo “aos gritos e aos apitos”, como se costuma dizer. Não sei o que se pretende. Ou se calhar até saberei. Uma sociedade sem vontade de pensar, acrítica e incapaz de serenar o pensamento para mergulhos mais profundos. Inapta no que toca aos mais jovens para estar naturalmente serena, sem esforço, numa sala de aula e, de igual modo, numa biblioteca. Incapaz de se conter nos seus impulsos cinéticos mais imediatos. E que dificilmente diferencia contextos e momentos, agindo em qualquer local com nítida dificuldade no cumprimento das suas regras.

Estão a divertir-se? Claro que sim. Porém isto não tem nada a ver com o “aprender fazendo” e com as diversas formas de leitura dinâmica e interactiva que tanto se apregoam. Temo na realidade, que se tenha instalado o culto do barulho puro e duro, uma cegueira rumorosa que acomoda um denso nevoeiro sobre o raciocínio de alguns grupos, sobretudo dos mais jovens. E confunde-se muitas vezes - diz-me isso a minha experiência docente de mais de 30 anos - diálogo pertinente e alegria natural com mero ruído, inconsequente e caótico.

Poderia falar aqui também (ainda que de modo muito breve) sobre as novas salas de aula, apresentando disposições de mobiliário também elas inovadoras, com peças estudadas ergonomicamente, permitindo a livre circulação, a disponibilidade de novos meios tecnológicos e novos paradigmas didáctico-pedagógicos. E tanto que haveria a dizer sobre este tema que é também da minha eleição. Afirmarei apenas, por agora, que se elas são, sem dúvida, o futuro, não deverão contudo servir de escudo ocultador para as dificuldades comportamentais de certos alunos, ao permitir excessos atitudinais que em nada enriquecem o processo de aquisição de conhecimento.

Não pretendo ser dura. Muito menos arrogante. Não me tenho nessa conta. Nem aborrecida, triste ou enfadonha. E claro que existem sempre excepções. Refiro-me aqui, naturalmente, a uma tendência, a um modismo frequentemente rebuscado em importações tardo-bacocas de modos mais ou menos “fixes” de estar na vida e que são facilmente assimilados por grandes números de pessoas com a bênção de sucessivas tutelas que nunca estão no terreno e conhecem prioritariamente a teoria. Estas imposições subliminares que enfaixam grandes grupos numa espécie de momice catatónica em que já ninguém sabe muito bem o que está a fazer, assusta-me muito e é usada por quem pode, como pode, na construção de plateias e audiências sociais que os seguem sem nada questionar.

Por isso, e embora não tenha veia para velha do Restelo (aliás é precisamente por não a ter e gostar de assistir a uma verdadeira construção progressista da sociedade) é como cidadã, como mãe, como professora e educadora que sinto um desespero que me afoga em dúvidas sobre o que o futuro nos trará. Também neste campo.

Sempre gostei de incentivar os mais novos ao cumprimento dos seus sonhos mais construtivos, rumo à sua felicidade como seres humanos integralmente preparados para a vida, capazes, eles também, de transmitir o testemunho aos seus filhos e netos. Mas é, precisamente por isso, por ver que este não é facilmente o panorama que se perscruta no horizonte e que muitos dos poderes instituídos – até, surpreendentemente, no campo da pedagogia – não estão interessados em que a realidade melhore, é que lavro aqui este meu desabafo.

Paula Coelho Pais


Lisboa, 22 de Outubro de 2018

Dia Internacional das Bibliotecas Escolares

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