PROSA E POESIA

A Palavra

Lisboa,

30 de Maio de 2019

A palavra, sempre a palavra.

A apalavra que fere, a palavra que mata.

A palava que luz, a palavra que salva.

Mesmo no centro da noite mais escura

ela brilha e volteia em meu redor.

Como ave de prata.

É leve e insistente. Mas tem o peso do mundo

E chama por mim, procura-me,

interroga o meu olhar e

e o porquê das minhas lágrimas.

Implora-me que a escreva e espera que o faça.

Ali.

Regressa, hesita, desespera.

Zanga-se. Acusa-me. Questiona-me.

Mas volta para mim,

sempre

como se fosse minha

e mo dissesse…

e mo quisesse afirmar eternamente…

- sou tua… tua…

Escreve-me

Diz-me

Soletra-me

Ama-me

E no auge da paixão

Quando estiveres perto das estrelas e te sentires feliz

…deixa-me ir…

… a palavra.

Paula Coelho Pais

Gota de Água

Lisboa, 18 de Novembro de 2019

Algo simples

como a gota prestes a cair

suspensa pela força em equilíbrio,

entre o que a prende, o que anseia

e o sonho em que tudo pode ser.

O tempo parou. Ficamos ali

expectantes que se lance

no vazio, mas secretamente à espera

que não caia.

Pudesse ela brilhar com essa luz

como se tivesse todo o mundo dentro dela.

Como se fosse um sol, nas nossas mãos,

só para nós visível.

Eternamente assim

no nosso olhar.

Paula Coelho Pais

Virás Comigo...

Paula Coelho Pais

Lisboa, 8 de Agosto de 2017

Se alguma vez,

(queira Deus que não),
tivermos de partir.
Se a vida mudar e for preciso
procurar outras paragens e
abrigos.
Não te deixarei para trás,
virás comigo.

Se a terra se abrir na revolta do tempo
e do clima que muda a cada novo instante
se erguerem em fúria
tornados de guerra e muralhas de vento.
Não ficarás só,
virás comigo.

Se um dia, por fim, tivermos de fugir
pelos montes abruptos, pelos vales ardidos
se uma onda gigante assolar esta terra
num prenúncio de morte, num imenso rugido.
Não te deixarei só, trémulo, perdido,
no abismo da noite, assustado, ferido.

Tu virás comigo...

Paula Coelho Pais

Se Alguém...

Lisboa, 20 de Junho de 2019

Se alguém te chegar como um pássaro ferido,
oferece-lhe um braço, onde pousar.
Se te olhar ansioso pelo sonho perdido,
não lhe negues a resposta que esperar.

Se parar no silêncio pela sombra da noite,
pergunta-lhe o que tem e o que quer.
Se ficar muito tempo no tempo que se esconde,
não desistas até o saberes ver.

E não te percas dele. Não o esqueças.
É tão importante saber isso.
E quando o encontrares nunca esmoreças.
Abraça-o e diz-lhe o que é preciso.

Quantas vezes acabamos por fugir
da estrela que nos guia pelo espaço.
E perdemos a coragem de pedir
apenas o tempo de um abraço.

Mas um dia saberemos como queríamos
que ele nos tivesse sido dado.
E que nós pudéssemos ter visto
o universo todo no feitiço…
…na força de um tempo desejado.

Paula Coelho Pais

Telefonema

Segundas

16:30

Pego no telefone quase a medo. Apesar de ter já esta idade o complexo de adolescente envergonhada nunca me passou completamente. E depois esta mania de ser sonhadora que só atrapalha a minha vida e que, no dizer de tantos, já nem se usa.

E foi quase sempre assim. A realidade que insiste em não se colar àquilo que eu espero dela. Eu bem tento, mas está fraco. As ilusões sempre na sala de espera a ver outras a passar à sua frente, até desistirem de ser chamadas para o casting da felicidade. A vontade de fazer coisas e de falar com pessoas a desbotar nas lavagens da vida. As manchas de tinta digital agarradas aos dedos de tanto escrever e idealizar a minha verdade, uma e outra vez, dias, noites, anos a fio.

Desliguei. É melhor assim. Mais seguro. Fico aqui quietinha e ninguém se magoa. Nem eu nem com quem eu queria tanto falar. E depois, para quê? Tenho a certeza de que a conversa seria completamente ao lado daquela que eu gostaria de ter. Certamente uma troca postiça de palavras de circunstância, banal e triste, feita de perguntas inconsequentes e de não respostas desinteressantes. E depois tudo ficaria na mesma, ou ainda pior, no caminho crescente do vazio. Tudo horrível e demasiadamente doloroso.

Fico assim, portanto. Deste lado de um diálogo inexistente. E volto a abrir o computador. Vou escrever. Volto sempre aqui, a este mundo seguro que nunca me deixou ficar mal. Escrevo e vivo lá, dentro da escrita. Pronto. É melhor assim.

Talvez um dia eu ganhe coragem para dizer exactamente aquilo que sinto nos sítios em que deveria fazê-lo. A quem deveria fazê-lo. Olhos nos olhos e de forma desassombrada. Quando for bem velhinha e já ninguém fizer caso do que eu disser. Hei de murmurar baixinho num tom imperceptível e atabalhoado, entre os dentes que já me forem faltando, tudo o que que fui calando toda a vida. Então hão de ouvir-me sem grande paciência e comentarão condescendentes… “coitada, era tão racional, tão controlada, tão assertiva… agora, pobrezinha, não diz coisa com coisa…”

Até porque nessa altura, talvez já eu nem me lembre bem do que quereria dizer…

Paula Coelho Pais

in Microcontos de um Futuro Incerto

(inédito)

Confiança

Lisboa, 16 de Maio de 2019

Podes confiar-me as tuas mágoas

eu hei de guardá-las com carinho
E com gestos de mãe as cuidarei
para que nunca mais estejas sozinho.

Apenas peço o tempo de um olhar,
a gentileza firme que não esquece
quem desde o teu início soube estar
e de verdade está e permanece.

Mas podes confiar-me o que quiseres,
pus sempre o teu destino sobre o meu
como faz uma irmã de coração.

Apenas gostaria que entendesses
o que dentro de mim assoma em espanto
na luta que em mim trago em revolução.

Paula Coelho Pais

A Varanda

Lisboa, 19 de Julho de 2018

Coloco os pés na pequena distância que me separa do vazio. Encontro um vaso. Um pote com sardinheiras. Ali, do outro lado, outro de outro tom. O barro esfacelado, antigo. Já era da casa ainda antes de eu ter nascido. As sardinheiras vieram quase logo a seguir. Têm cores diferentes, mas a maior parte do tempo apenas folhas secas. Há momentos em que todas florescem ao mesmo tempo como velhas amigas que marcassem um encontro anual para troca de palavras e memórias. Trago o regador. Distribuo a água por todas elas com cuidados de pássaro mãe no ninho. O sol subiu ainda há pouco e está já do outro lado do prédio. Sei que está lá embora não veja. Digo-lhe boa tarde mentalmente e sei que ele me retribui o voto. Apenas um segundo. Ainda assim foi um sorriso. Debruço-me na sacada de ferro forjado, a pensar que se calhar seria melhor que não. É antigo o piso, vê.se aqui e além o ferro que a sustém. Enferrujado é certo, mas ferro. Confio. Por vezes é preciso confiar nem que seja num velho ferro retorcido. Olho para baixo e sinto um frio na barriga da vertigem que sempre me acompanhou. Insisto ainda assim. A senhora debaixo ergue a face pressentindo-se olhada. Sorri-me, acena-me, cumprimenta-me. Desejo-lhe uma tarde feliz. Sorrio também. Vejo que se afasta até já não pertencer ao prédio. Vou lá dentro e sinto a cortina leve a roçar-me o rosto. Estou dentro da sala. Uma poalha translúcida faz-me reabrir os olhos como se precisasse de rever o espaço onde me encontro. Faço-o. Confirmo-o. Estou ali. Sei-me ali. E regresso à varanda.

Paula Coelho Pais

Falar um Bocadinho....

Segundas

16:30

Por vezes apetecia-nos falar só um bocadinho.
Responder como estamos. Perguntar pelo outro.
Se está bem. Se está tudo bem. Se realmente está.
E sentir a pergunta devolvida numa reciprocidade simples
pura e clara como as mãos em concha cheias de água
pelo tempo da tarde. Como quando éramos crianças
e desafiávamos os amigos para a apanhada sem questões complexas que nos travam como agora.
Tantas vezes sem razão, só pelo cansaço que nos domina, sem nos dar nada em troca. Sem querer saber de nós.

Nem era precisar falar muito. Apenas o que nos fizesse sentir não estar a mais. A força de querer saber. Mesmo a distância.

Esperar uma voz. Algo mais. Uma outra pergunta.
Uma palavra que tivesse a força das marés
que nos invadem assim, levadas pela Lua.
Fortes e suaves. Constantes. Seguras.

Uma palavra que nos abraçasse sem pudor
e ficasse feliz em nos ouvir
e tivesse o nome de Amizade.

Paula Coelho Pais
Lisboa, 19 de Dezembro de 2019

Acordo

Segundas

16:30

ACORDO

Acordo lentamente
Fecho os sonhos, um por um, com a velha chave da manhã
Sou feita de madrugadas sucessivas
Sou cansaço à procura da nascente
Encontro-a? Ou talvez não. Mas prossigo encadeada
Pelas mãos da realidade.
(…)

Paula Coelho Pais
Lisboa, 22 de Novembro de 2019

Invisibilidade

Terças

10:00

Hoje sonhei contigo. Que vivias na minha casa e não me vias. Tinhas um quarto do lado oposto ao meu num corredor infinito. Às vezes cruzávamo-nos a caminho das nossas vidas. Olhávamo-nos. Sorriamo-nos. Falávamos um com o outro breves palavras de circunstância sempre ligadas à vida do dia-a-dia. O que irias comer. Se tinhas roupa para lavar. Se saias naquela tarde, ou eu, então.

Hoje sonhei contigo. Que vivias na minha casa. E falávamos e sorrias para mim. Mas nunca me vias.

Paula Coelho Pais, in Microcontos

Fala-me...

Terças

10:00

FALA-ME

Fala-me da tristeza. Fala-me da esperança.
das coisas por que anseias na teia dos segredos.
Das que te causam medo desde que eras criança.
E das que te escaparam pelo meio dos teus dedos.

Fala-me do teu tempo. Do logro da idade.
E das coisas mais sérias. Do que já não tem jeito.
Das viagens da noite. Dos passeios pela tarde.
Do que buscas na luz por dentro do teu peito.

Mas fala-me de ti. Do mais que te importar.
Do que for mais sagrado e não quiseres esquecer.
E fala-me das feridas que insistes em guardar
E que poucos conhecem e te pedem para ver…

E fala-me das coisas que mais te causam dor.
E dos quietos espantos que te deixam sorrir.
Do sonho e da magia imensa do amor
Mesmo se já julgares não poder existir.

Mas não escondas a mágoa
Não cales a memória
… eu quererei ficar…
… eu saberei ouvir…

Paula Coelho Pais
Lisboa, 4 de Dezembro de 2019

A Memória

Terças

10:00

A MEMÓRIA

A memória visita-me,
revisita-me sempre.

É a árvore da dobra do caminho
onde eu tocava leve
ao passar.

É o fumo da chaminé
de quem vivia na casa
e que eu sabia sempre
lá estar.

É o campo que esverdeava
naquele certo mês
chamando por rebanhos e pastores.

E os sorrisos que me acenavam
e eu guardei nos olhos
como se fosse flores.

A memória visita-me
revisita-me sempre.

E hoje
é a quebra do rio
no fim do meu olhar
onde havia quase sempre um sonho a partir
e um barco a chegar

e era nele que habitava o meu poema
guardado no ninho das minhas mãos

como se fosse uma gota de esperança
e um fio de luar.

Paula Coelho Pais
Lisboa, 10 de dezembro de 2017

Procuro um Pássaro

Terças