Amizades...
- Paula Coelho Pais
- 22 de nov. de 2019
- 4 min de leitura
Tenho para mim que, mais do que formas diferentes (que as há) de amizade, existem formas distintas de a demonstrar. Algumas até bastante sui generis, de resto. Amizades que se guardam uma vida, mesmo à distância, mas que fazem do nosso mundo um mundo melhor. Amizades permanentes que estão ali desde sempre. Amizades súbitas mas, nem por isso, menos fortes. Amizades subtis, quase imperceptíveis, mas únicas... Amizades...Amizades...
Dizia-me alguém muito próximo e cujo juízo tenho em elevada consideração que não se deveria dar a entender a um amigo até que ponto alguma eventual mágoa por ele causada nos tinha sido especialmente penosa, pois tudo o que a seguir dele viesse seria postiço, perdendo por isso qualquer valor ou autenticidade. No fundo, cada pessoa daria à relação exac

tamente aquilo que estaria preparada para dar. Nem mais, nem menos. E de nada adiantaria falar desta questão, sem estar a adulterar a sua verdadeira natureza.
Outras pessoas – que muito estimo e admiro também – mantêm uma postura quase diametralmente oposta. Perante uma falta de atenção percepcionada por parte de um amigo, têm para com ele ou ela uma postura proactiva, algo didáctica até, chamando a sua atenção e mostrando o seu desagrado pela falta de cuidado ou outra falha por eles, sentida. Explicando de que não gostaram e porquê, sempre à luz da estima que sentem pelos seus amigos e que está na origem da sua mágoa.
Sinceramente tive sempre alguma dificuldade quanto à postura a tomar neste ponto, e balanço frequentemente entre ambas. Mas creio seguir mais a primeira via no que toca à autenticidade da relação que procuro sempre salvaguardar. Embora admita admirar a segunda que busco ir aflorando sempre numa postura de crescimento fraterno. Acho que a falar é que nos entendemos e se, existe uma amizade real e bem fundada, uma boa conversa, feita sempre de um modo franco e delicado, pode ser extremamente enriquecedora, esclarecedora e levar até essa amizade a um novo patamar de abertura e profundidade.
Ficarmos tristes a remoer nas dores de crescimento que, forçosamente, qualquer relação acarta, não é um sistema muito frutífero quanto ao futuro da mesma. Saudável, até. Vivermos uma vida toda a pensar que “naquele dia”, “àquela hora”, determinada pessoa nos falhou (sempre do nosso ponto de vista naturalmente), não telefonou, não nos soube escutar, fez ou disse algo que sentimos como desagradável ou inesperado, é extremamente desgastante e pode erguer um muro de tristeza no coração da relação.
Pelo contrário, tantas vezes, se usarmos de abertura e sinceridade para com essa mesma pessoa, procurando desdramatizar a situação e sempre com uma postura fraterna e de valorização do outro e de nós mesmos, poderemos chegar à conclusão que sofremos sem qualquer necessidade e que tudo não passou de um desagradável mal-entendido, que a outra parte, por vezes, nem se deu conta. Ou, se houver lugar a desculpas, que elas se pronunciem e um abraço sele um novo recomeçar.
Mas será realmente que todas as amizades aguentam o embate da franqueza sem que tal soe a cobrança e se instalem reações de repúdio, autodefesa e más vontades? De abandono, desistência ou de retirada da mesma? E será que o que resulta dessa conversa é forçosamente real, franco e sincero? Ou uma máscara que apenas deixa transmitir o que passámos a perceber que o outro espera de nós? Algo que se diz de momento, quase da boca para fora, para “fazer as pazes”, desbloquear a situação e seguir em frente? E tudo continuar... na mesma?…
É difícil, realmente a amizade. Muito difícil. Atravessa fases. Umas mais constantes e luminosas. Outras mais duras e cortantes. Umas de maior coincidência de vontades e formas de pensar e de sentir. Outras em que chegamos a pôr em causa se aquela pessoa é, realmente, nossa amiga. É exigente a amizade. Capaz até de nos magoar. Muito. Porquanto nos é tão importante. Frágil como uma flor que precisa de cuidados e afecto. Contundente, por vezes, como um abrir áspero das cortinas pela manhã quando nos mostra algo que precisamos de ver mas não o conseguimos ou não o queremos fazer. Mas por isso mesmo, por tudo isto, tão rara e preciosa.
E o que seria do mundo sem os amigos? Essa família do coração que nos acompanha na vida, nos ampara e nos alegra, nos enxuga as lágrimas e ri connosco, nos ajuda a pensar e passa ao nosso lado noites em claro à procura de uma solução para um problema difícil, nos ouve horas ao telefone mesmo sem saber o que dizer e percorre quilómetros apenas para nos ver, nos sorrir, estar e tomar um café.
Essa família da alma que gosta de nós pelo que somos, como somos, e retira tantas vezes, do nosso caminho, sem nós darmos conta, pedras, espinhos e dores que não estaríamos preparados para ultrapassar sozinhos.
E não, não é fácil a Amizade. Mas vale todas as penas que nos cause. Vale, certamente, todas as lutas que tivermos de travar por ela. Esse sentimento tão puro, abnegado, verdadeiro, profundo e fraterno, capaz de transformar a nossa vida.
Paula Coelho Pais Lisboa, 22 de Fevereiro de 201
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